
Hérnias abdominais podem causar afastamento do trabalho e ser consideradas doenças ocupacionais?
Em 2024, o INSS concedeu mais de 5 mil benefícios por incapacidade devido à doença; advogado esclarece os direitos dos trabalhadores e médico explica como a doença se manifesta e quais são os tratamentos
Por Lucas França e Thayanne Magalhães / Revisão: Bruno Martins | Redação
Hérnia abdominal é o escape (protusão) parcial ou total de um ou mais órgãos por um orifício que se abre, por má formação ou por enfraquecimento nas camadas de tecido protetoras dos órgãos internos do abdômen. No Brasil, chega a afetar de 20% a 25% da população adulta, o que representa, em média, 28 milhões de brasileiros.
De acordo com dados do Ministério da Previdência Social, apenas a hérnia inguinal (virilha), afastou 28 mil trabalhadores dos seus postos em 2023. Conforme levantamento do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a pedido da reportagem do portal Tribuna Hoje, a quantidade de benefícios por incapacidade (temporária e permanente) concedidos nos anos de 2023 e 2024 no Brasil por hérnia abdominal no Nordeste foi de 5.295 em 2023 e 5.250 em 2024.
Vale ressaltar que as hérnias podem estar presentes desde o nascimento (congênitas), ou podem desenvolver-se mais tarde (adquiridas). Uma hérnia pode ser dolorosa, especialmente após certos comportamentos ou atividades como tossir, dobrar o corpo ou levantar um objeto pesado.
As hérnias são, muitas vezes, assintomáticas, ou seja, não apresentam nenhum sintoma, porém vão evoluindo com o tempo. Mas é importante obter um diagnóstico para controlar a progressão desta doença e melhorar o prognóstico.

O auxiliar de serviços gerais Raul Elias da Silva foi um dos beneficiários do INSS com o pedido temporário de benefício por incapacidade. Segundo o profissional, ele precisou se afastar do emprego devido a uma hérnia inguinal (abaixo você fica sabendo quais os tipos de hérnias da parede abdominal) que ele notou crescer com o passar do tempo, até que precisou fazer uma cirurgia.
“No início, não me incomodava, mas com passar do tempo ela começou a crescer e ficar dolorida, então na primeira ida ao médico para saber o que era, ele me disse que precisaria fazer uma cirurgia, pois não havia tratamento, era apenas cirúrgico. Então, marquei o procedimento, mas antes, como tinha que ficar de repouso por alguns dias e minha única fonte de renda era meu trabalho, tive que solicitar o benefício. Graças a Deus consegui e pude fazer o procedimento com mais tranquilidade, sabendo que não deixaria minha família desamparada no tempo em que eu estava sem conseguir trabalhar”, relatou Elias, acrescentando que descobriu a doença aos 32 anos, mas já havia notado anos antes.
O auxiliar de serviços gerais, que trabalhava no sistema CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), diz que não teve tantas dificuldades para conseguir o benefício e também não ficou muito tempo sem voltar à rotina. “Como a cirurgia é simples e o pós-operatório não é dificultoso, eu fiquei sem fazer as minhas atividades de rotina por apenas 15 dias. Nos demais dias já comecei a trabalhar, claro, evitando muito esforço e sem exageros. Com um pouco mais de dois meses já me senti à vontade para fazer as tarefas de antes”, conta, lembrando que conseguiu o benefício temporário, já que sua doença não o impossibilitava de trabalhar após os cuidados necessários.
De janeiro a junho de 2024, foram realizadas no Sistema Único de Saúde (SUS) de todo o país, mais de 170 mil cirurgias para o tratamento dos diferentes tipos desta doença e, entre eles, foram 19.808 atendimentos de urgência.
HÉRNIAS DA PAREDE ABDOMINAL
Existem vários tipos de hérnias abdominais cujo nome depende da região onde se desenvolvem:
Hérnia inguinal: a hérnia inguinal é o tipo mais comum de hérnia abdominal. Esta protuberância ocorre na parede abdominal, na zona da virilha. As hérnias inguinais são mais frequentes nos homens.
Hérnia femoral (ou crural): tal como a hérnia inguinal, a saliência das hérnias femorais é também na zona da virilha, no entanto este tipo de protuberância desenvolve-se um pouco mais abaixo. As hérnias femorais tendem a ocorrer com mais frequência em mulheres mais idosas, devido à conformação da sua estrutura óssea, na zona da bacia.

Hérnia umbilical: a hérnia umbilical consiste na protusão de conteúdo abdominal através do umbigo. Quando ocorre nos recém-nascidos, desaparece geralmente durante os primeiros anos de vida da criança.
Hérnia epigástrica: a hérnia epigástrica desenvolve-se na linha média, acima do umbigo.
Hérnia incisional: nas hérnias incisionais (ou eventrações), a protusão de conteúdo abdominal ocorre no local de alguma cicatriz, após uma cirurgia antiga, devido ao enfraquecimento da área.
Hérnia hiatal ou do hiato: a hérnia do hiato ocorre no interior do tórax quando o conteúdo abdominal (geralmente parte do estômago) desliza para dentro da cavidade torácica através de uma pequena abertura no diafragma (hiato).
''A maioria das hérnias com repercussão funcional será indicada para cirurgia. Nos casos em que a hérnia é muito volumosa, sintomática e o tratamento cirúrgico não é possível, a condição pode ser considerada crônica, intratável e incapacitante''

Dr. Daniel Maia V. Lima (Foto: Divulgação)
Médico cirurgião fala como hérnias costumam se manifestar no paciente e quando é possível laudo médico para o INSS
O Dr. Daniel Maia V. Lima, cirurgião geral, digestivo e bariátrico, coordenador do Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Maceió, disse em entrevista à reportagem do Tribuna Hoje que a doença geralmente se manifesta por um abaulamento local (saliência ou protuberância em tecidos ou órgãos) acompanhado de um desconforto. O especialista respondeu alguns questionamentos, inclusive sobre os critérios para os especialistas concederem laudos aos trabalhadores. Veja abaixo:
Tribuna Hoje: Quais são os principais tipos de hérnia abdominal e como elas costumam se manifestar nos pacientes?
Dr. Daniel: As três principais hérnias abdominais são: hérnia inguinal (região da virilha), hérnia umbilical e hérnia incisional (que surge em locais de incisões cirúrgicas anteriores). Elas geralmente se manifestam por um abaulamento local, que pode ser acompanhado de dor ou desconforto, principalmente durante esforços físicos.
Tribuna Hoje: Quais são os sintomas mais comuns de uma hérnia abdominal e quando o paciente deve procurar atendimento médico?
Dr. Daniel: Os sintomas mais comuns são: dor localizada na virilha ou no umbigo, e a presença de um volume ou saliência nessas regiões. O paciente deve procurar atendimento médico assim que notar qualquer alteração local ou dor persistente, especialmente se os sintomas piorarem com esforço físico.
Tribuna Hoje: Em sua experiência, quais são as maiores dificuldades enfrentadas pelos pacientes para conseguir um diagnóstico preciso de hérnia abdominal, especialmente na rede pública?
Dr. Daniel: Na maioria dos casos, o diagnóstico pode ser feito por um médico generalista, com base na história clínica e exame físico. No entanto, muitos pacientes acabam postergando a consulta, pois os sintomas iniciais costumam ser leves, o que contribui para o atraso no diagnóstico e tratamento.
Tribuna Hoje: A hérnia abdominal pode ser considerada incapacitante para o trabalho? Em que casos isso ocorre?
Dr. Daniel: O impacto das hérnias varia bastante. Existem hérnias pequenas, assintomáticas — como algumas umbilicais — que não causam prejuízo funcional e não requerem cirurgia. Por outro lado, há hérnias volumosas e sintomáticas, que podem causar dor intensa, limitação física e até constrangimento social, sendo consideradas incapacitantes em determinados casos.
Tribuna Hoje: Quais são os critérios médicos que costumam ser levados em conta na hora de emitir um laudo para solicitar benefício por incapacidade junto ao INSS?
Dr. Daniel: Em geral, a maioria das hérnias com repercussão funcional será indicada para cirurgia. Nos casos em que a hérnia é muito volumosa, sintomática e o tratamento cirúrgico não é possível, a condição pode ser considerada crônica, intratável e incapacitante, o que justifica a emissão de laudos médicos para o INSS.
Tribuna Hoje: Muitos pacientes relatam dificuldade em conseguir perícia ou aprovação do INSS mesmo com diagnóstico de hérnia. O que pode estar por trás dessa negativa?
Dr. Daniel: Isso ocorre porque, na maior parte dos casos, as hérnias são condições tratáveis e, após a cirurgia e recuperação, o paciente retorna às suas atividades normalmente. Por esse motivo, nem todo diagnóstico de hérnia é automaticamente considerado motivo para afastamento ou benefício.
Tribuna Hoje: O tratamento cirúrgico é sempre necessário em casos de hérnia abdominal? Há alternativas?
Dr. Daniel: Nem sempre. Hérnias pequenas e assintomáticas, como algumas umbilicais, podem ser apenas acompanhadas clinicamente. Contudo, nos casos em que há sintomas ou risco de complicações, a cirurgia é o único tratamento definitivo, pois a hérnia representa uma falha na parede abdominal. O reparo cirúrgico pode envolver o uso de telas para reforço da musculatura e redução do risco de recidiva.
Tribuna Hoje: Existe fila de espera para cirurgia de hérnia no SUS? Em média, quanto tempo um paciente leva para conseguir esse procedimento?
Dr. Daniel: Sim, existe fila de espera no SUS, pois trata-se de uma condição muito prevalente e com alta demanda cirúrgica. O tempo de espera varia conforme a região e a capacidade de atendimento do hospital, podendo ir de alguns meses a mais de um ano em locais com maior demanda.
Tribuna Hoje: Quais são os riscos de não tratar uma hérnia a tempo, especialmente em pessoas que seguem trabalhando com dor ou esforço físico?
Dr. Daniel: Os principais riscos são o encarceramento e a obstrução intestinal. Em situações de esforço físico, parte do intestino pode herniar e ficar presa na falha muscular, levando a obstrução e até sofrimento (isquemia) do intestino, o que configura uma emergência médica.
Tribuna Hoje: O que o senhor recomendaria para pacientes que estão sofrendo com hérnia abdominal, sem conseguir atendimento adequado pelo SUS e com dificuldade de acesso a benefício no INSS?
Dr. Daniel: Recomendo que esses pacientes procurem o serviço de saúde o quanto antes, insistam nas consultas com cirurgião geral e tentem acesso via mutirões de cirurgia, que ocorrem com frequência em algumas regiões. Além disso, caso haja real impacto na qualidade de vida e capacidade laboral, é importante que tenham laudos médicos bem detalhados para embasar o pedido junto ao INSS.

SINAIS E SINTOMAS
As hérnias abdominais podem ser assintomáticas durante muito tempo. Mas com a sua progressão os sinais e sintomas começam a surgir e podem causar um desconforto considerável:
Dor intensa no abdômen, geralmente na zona da hérnia; edema e pele avermelhada ou roxa no local da hérnia; náuseas; vômitos; febre e obstipação (intestino preso).
Pós-operatório da cirurgia de hérnia
A cirurgia para correção da hérnia inguinal é um procedimento de médio porte, que em pacientes com ausência de outras doenças costuma ser de recuperação relativamente rápida, risco baixo de problemas e um alto índice de satisfação com o resultado final.
O tempo esperado para recuperação em domicílio também costuma ser bastante curto. Na maioria das vezes é recomendado somente repouso relativo e uso de analgésicos nos dias iniciais.
É extremamente importante evitar esforços como levantar objetos do chão ou carregar pesos durante até oito semanas após a realização desta cirurgia, para que a cicatrização seja adequada e a região operada possa suportar maior esforço.
Advogado especialista em direito da seguridade social explica quais são os direitos dos trabalhadores acometidos por algum tipo de hérnia
De acordo com Krishnamurti M. Santos, professor, advogado militante e especialista em Direito da Seguridade Social, especialista em Cálculo e Revisões Previdenciárias, especialista em RPPS (Regime Próprio de Previdência Social), RPC (Regime de Previdência Complementar), e Reforma Militar, os trabalhadores brasileiros têm direito ao auxílio-doença, incluindo empregados CLT, autônomos, empreendedores, facultativos ou contribuintes individuais.
“O trabalhador tem uma carência de 12 meses, no caso de acidente do trabalho, para pleitear o benefício ainda na qualidade de segurado. E quando ele é afastado do seu posto devido a alguma enfermidade relacionada ao trabalho que exerce, função, o mesmo passa a ter direito de receber o auxílio-doença acidentário”, explica o advogado.
Ou seja, há uma diferença deste benéfico para o auxílio-doença previdenciário comum, que é concedido em casos de afastamento por doença de qualquer natureza. Neste, o trabalhador tem a estabilidade de 12 meses que garante a ele permanecer no emprego após a alta médica, ou seja, ele não poderá ser demitido sem justa causa neste período.
No vídeo abaixo, Krishnamurti esclarece os direitos dos trabalhadores e os devedores dos patrões.
Sociedade Brasileira de Hérnia realiza mutirões anuais para diminuir fila no SUS
A Sociedade Brasileira de Hérnia (SBH) promove mutirões anualmente para tentar reduzir a fila do SUS em diferentes regiões do Brasil. Ao todo, já foram realizadas 10 edições com mais de mil cirurgias gratuitas pelos cirurgiões associados à SBH.
Em 2024, o mutirão aconteceu em Volta Redonda, no Rio de Janeiro. Em 2023, a ação foi feita na cidade de Cuiabá, no Mato Grosso. As ações também já aconteceram em Alagoas, Amazonas, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Tocantins.
DIA DE CONSCIENTIZAÇÃO
Com o objetivo de informar e conscientizar a população sobre a doença, a SBH propôs, através de um Projeto de Lei que foi apresentado no Congresso Nacional, a criação do Dia Nacional de Conscientização Sobre as Hérnias da Parede Abdominal, a ser celebrado em 19 de junho.
Conforme o Dr. Gustavo Soares, presidente da sociedade, o intuito é melhorar o atendimento à população. “Ter esta data no calendário oficial aumenta a possibilidade do direcionamento de verbas públicas, como emendas parlamentares, para os pacientes afetados pelas hérnias, além de permitir maior conscientização da população sobre os sintomas, risco e importância do tratamento da doença”, ressaltou.

O Dia de Conscientização Sobre as Hérnias da Parede Abdominal foi anunciado durante o 6º Hérnia Lap & Robot, simpósio para o debate desta doença realizado em Curitiba, entre os dias 29 e 31 de agosto de 2024.
Organizado pelo cirurgião Christiano Claus, o evento abordou as mais recentes inovações na área, incluindo técnicas robóticas e cirurgias minimamente invasivas.
O portal Tribuna Hoje entrou em contato com a Secretaria de Estado da Saúde (Sesau) para ampliar a divulgação dos dados sobre a doença em Alagoas, mas até o fechamento desta edição, não houve retorno.